Em nosso motor home, eu e minha esposa viajamos bastante, vislumbrando fantásticos lugares e conhecendo pessoas não menos maravilhosas. Como além das atividades de professor universitário, durante 14 anos também dediquei-me ao Corpo de Bombeiros como Analista de Projetos de Prevenção, muitas vezes estacionamos em quartéis, onde os colegas, de tão nobre profissão, sempre nos recebem de forma elogiável.
E, em alguns casos, suas instalações são muito precárias, com diminuto efetivo, poucas viaturas (uma velha Caravan e um Mercedes antigo), equipamento obsoleto e ineficaz. Elementos estes agravantes a qualquer sinistro e que parecem ali estar para testar a capacidade inventiva dos seus intrépidos membros.
Pois estava eu numa pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul, em pleno e rigoroso inverno, estacionado ao lado do minúsculo “quartel”. Lá havia uma humilde salinha de recepção com mesa e duas cadeiras, um apertado e indigno alojamento com dois catres e dois colchonetes no chão. Ao lado, uma cozinha com fogão a lenha, confortavelmente aceso e cinco bancos ao redor. Três soldados, um cabo e um amigo deliciavam-se a sorver o quente chimarrão, contando “causos” na comodidade térmica do ambiente, aguardando a troca de turno e rogando aos céus para que nenhuma emergência venha alterar aquela instável tranqüilidade.
Exemplo de antigo e preservado
Havíamos chegado ao entardecer e, após as apresentações de praxe, liguei o cabo elétrico (extensão) do motor home na cozinha, (única tomada de energia funcionando), tomei um chimarrão com os presentes e, graças ao frio e chuva fina, recolhi-me à nossa pequena casa rodante, onde jantamos e fomos dormir.
Pela manhã, dirigi-me à cozinha do “quartel”, onde a outra equipe que havia substituído a anterior estava absorta em seus “causos”, mitigando o frio com os pés sob o fogão fumarento e o corpo com o líquido mate amargo e quente.
Como eu não havia sido apresentado a esta nova equipe e, a informação da anterior possivelmente sido incompleta, um soldado levantou-se, surpreendido ao se flagrar invadido no ambiente íntimo, e inquiriu-me:
-“O que o senhor deseja?”
Esbocei um sorriso amistoso e, em patente ingenuidade, não imaginando uma possível segunda interpretação, respondi:
-Vim apenas resgatar o “cabo”.
O cabo (bombeiro) deu um salto de trás do fogão e, aparentando a mais inesperada situação, incrédulo, limitou-se a me encarar sem nada dizer.
Depois das explicações, gargalhamos juntos ao redor do fogão. Certamente eles terão mais um “causo” para as próximas trocas de turma.
Darlou D'Arisbo
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