Certa vez, visitando a cabina de um imenso avião, informou-me o piloto que ele perde até um quilograma de massa a cada viagem. A exaustiva atenção necessária aos instrumentos de comando, gasta-lhe o próprio corpo, pois tem que observar e dirigir dezenas de pontos de controle em seu monstro alado.
Cá, hoje, em meu insigne e terrestre ônibus-apartamento, somo quarenta destes, a me exigir atenção. E, se em menor tensão, certamente em maior aprazimento. Alguns destes comandos exigem movimento do meu corpo, outros apenas rotam os olhos. E tem também os que sensibilizam os ouvidos, ou outros sentidos ainda menos tangíveis, como a memória, a saudade, a expectativa...
Tenho aqui retrovisores, tais magníficas telas de radar, pedais sincronizados em enérgico jogo de caminhar parado, ponteirinhos a comentar a velocidade, rotação da máquina, quantidade de combustível, distância percorrida. Rolinhos de números correm sem parar - tal o percurso de minha vida - e desfilam algarismos sem fim.
Seguro firme a grande e negra argola da direção, desviando os buracos da via danificada, teimosa quanto a do meu rumo, a evitar os obstáculos de minha existência.
Alavancas longas e curtas, aqui e ali, uma pisca a ultrapassagem, outra muda a marcha. Trotes curtos, galopes longos à centena de sonoros cavalos que me tracionam...
Sons às dezenas. De válvulas reguladas ou ventos barulhentos. Alguns curtos e triviais comentários, outros longos assuntos com a amada navegadora, ou distantes vozes das curtas ondas da Rádio Guaíba de Porto Alegre, companheira de sempre.
Cheiros de flores dos matos passantes, fecais das vacas do caminhão à frente, bicho morto estupidamente atropelado, fumaças das secas criminosamente queimadas...
À noite, vez em vez, meus olhos conferem o festival de luzinhas do painel. Delicadas, azuis, vermelhas, verdes e amarelas, lembram luminosas alegorias do natal cristão e informam sobre o sistema de freio, pressão do lubrificante, funcionamento dos faróis, proteções de segurança, ...
Puxo, empurro, torço, aperto botões funções que ligam, acendem, lavam e limpam o pára-brisa, berram buzinas...
O cinto diagonal aperta-me a segurança, minha coluna tende a arquear, reacomodo-me. Auto avalio-me a cada ação e regozijo-me no poder. As decisões intermitentes e acertadas, alimentam meu ego ao exercitarem meus sentidos. E o comando do veículo me oferece imponência. Neste trono sou o rei sobre as toneladas desta morada rodante.
Minha fiel comissária de bordo, um doce anjo de minha guarda, oferece água gelada, guloseimas e biscoitos salgados, alerta pela chegada dos inesperados quebra-molas, sempre vigilante aos traiçoeiros radares.
Os frios e calores têm, na porta, manivelados seus ventos. Outros ares inferiores aventam as canelas por baixo do painel. Os laterais circulam e os esfriados superiores balançam os poucos fios que na “torre” ainda me restam.
Visuais? Oh! Fantásticos, coloridos pelos deuses, tridimensionados por mim, vou saboreando e deixando-os para trás, junto ao fugaz e acinzentado tapete desleixado e cariado. Ficam no passado, gentes, vacas, cavalos, crianças, cachorros, pássaros, andarilhos,... Pisco luzes ao alertar colegas passantes, buzino-lhes cordialidade,...
Por fim, a ansiedade da chegada na comunhão, indescritível sensação de encontrarmos vivos, alegres e felizes os nossos queridos amigos, nos impulsiona e resume o motivo do árduo e fascinante deslocamento.
Prof. Darlou D’Arisbo
Ergonomista/Antropometrista
Um comentário:
lindo ouvir o relato de vocês, das viajens descriçõpes...parabéns....eu que já foi campista e motorhomeiro, e agora depois de um derrame, estou só na internet...esses relatos me fazem "viajar" junto com vocês, atravez deste imenso Brasil...fico comovido com tudo isso...que DEUS os acompanhe sempre em suas viajens....e me deixem sempre ir junto com vocês...em pensamento...muito obrigado...s:. s:. s:. Cyro
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